sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Crónica de um amor anunciado


Todo o apaixonado é um publicitário em potencial. Não anuncia cigarros, hidratantes ou máquinas de lavar, mas anuncia o seu amor, como se vivê-lo em segredo diminuísse a sua intensidade.

O hábito começa na escola. O caderno abarrotado de regras gramaticais, fórmulas matemáticas e lições de geografia, e lá, na última página, centenas de corações desenhados com caneta vermelha. Parece aula de ciências, mas é introdução à publicidade. Em breve estará a desenhar corações em árvores, a escrever atrás da porta da casa de banho e grafitando a parede do corredor: Suzana ama João.

A partir de uma certa idade, a veia publicitária torna-se mais discreta. Já não anunciamos a nossa paixão em muros e bancos de jardim. Dispensa-se a mídia de massa e parte-se para o telemarketing. Contamos por telefone mesmo, para um público selecionado, as últimas notícias da nossa vida afectiva. Mas alguns não resistem em seguir propagando com alarde o seu amor. Colocam anúncios de verdade no jornal, geralmente nos classificados: Kika, te amo. Beto, volta pra mim. Tony, não me deixe por essa loira de farmácia. Joana, foi bom pra ti também?

O grau máximo de profissionalismo é atingido quando o apaixonado manda colocar a sua mensagem num pano a cair das pontes por cima da auto estrada. O recado é para ela (ele), mas toda a gente que circula por ali fica a saber . Em grau menor de assiduidade, há casos em que apaixonados mandam despejar de um helicóptero pétalas de rosas na morada do namorado, ou gastam uma fortuna para que a fumaça de um avião desenhe as iniciais do casal no céu. A criatividade dos amantes é infinita.

O amor é uma coisa íntima, mas todos nós temos a necessidade de torná-lo público. É a nossa vitória contra a solidão. Assim como os adeptos dos clubes de futebol comemoram com buzinanços as suas viórias, foguetório e cantorias, queremos também alardear a nossa conquista pessoal, dividir a alegria de ter alguém que faz o nosso coração bater mais forte. É por isso que, mesmo não sendo adepta do estardalhaço, sinto pena por aqueles que amam escondidos, amam em silêncio, amam clandestinamente. Mesmo que funcione como fetiche, priva o prazer de ter um amor compartilhado.


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