quarta-feira, 10 de junho de 2009

Uma grande mulher

DE TODAS AS COISAS SOBRE AMOR ESCRITAS POR UMA MULHER ESSA FOI A MAIS VERDADEIRA, MAIS CONTUNDENTE E MAIS CORAJOSA.

mulher_bocadedo.JPGTexto de Danielle Miterrand, esposa do ex-presidente François Miterrand, ao povo francês, após ter recebido críticas impiedosas por ter permitido a presença da amante do marido e de sua filha, Mazarine, na cerimónia fúnebre do marido.

"Antes de mais nada devo deixar claro que não é um pedido de desculpas.
Muito menos um enunciado de justificativas vãs, comum aos covardes ou àqueles que vivem preocupados em excesso com a opinião dos outros.
Aos 71 anos, vivendo a hora do balanço de uma existência que é um sulco bem traçado e profundo, já não mais preciso, e nem devo, correr atrás de possíveis enganos.
Vivo o momento em que as sombras já esclarecem e que as ausências são lindas expressões de perenidade e criação.
Sombras e ausências podem ser tudo, ao passo que luzes e presenças confundem os mais precipitados, os mais jovens.

Vivi com François 51 anos; estive com ele em muito desse tempo e coloquei-ME sempre.
Há mulheres que não se colocam, embora estejam; que não se situam embora componham o cenário da situação presumível.
Uma vida de altos e baixos.
Na época da Resistência nunca sabíamos onde iríamos passar a noite - se na cama, na prisão, nos bosques ou estendidos por toda a eternidade.
Quando se vive assim em comum, cria-se uma solda e a consciência de que é preciso viver depressa. Concentrar talvez seja a palavra.
Por isso tentei entendê-lo, relacionar-me com a sua complexidade, com as variações da sua pessoa e não do seu carácter...
Quem entende ou, pelo menos luta para compreender as variações do outro, ama-o realmente.
E nunca poderá dizer que foi enganada ou que jamais enganou.
Não nos enganamos, nos confundimos quando nos perdemos da identidade vital do parceiro, familiar ou irmão. Ou jamais os conhecemos, o eu também, não é um engano.
Quem não conhece, não tem enganos.

Nas variações do outro, não cabe o apaziguador que destrói tudo antes do tempo em forma de tranquilidade. Uma relação a dois não deve ser apaziguada, mas vibrante, apaixonada, e não, enfastiada.
Nessa complexidade vi que meu marido era tão meu amante quanto da política.
Vi, também, que como um homem sensível poderia enamorar-se, encantar-se com outras pessoas, sem deixar de me amar.

Achar que somos feitos para um único e fiel amor é hipocrisia, conformismo.
É preciso admitir docemente que um ser humano é capaz de amar apaixonadamente alguém e depois, com o passar dos anos, amar de forma diferente. Não somos o centro amorável do mundo do outro. É preciso aceitar, também, outros amores que passam a fazer parte desse amor como mais uma gota d'água que se incorpora ao nosso lago.
Simone de Beauvoir dizia bem que temos amores necessários e amores contingentes ao longo da vida.

Aceitei a filha de meu marido e hoje recebo mensagens do mundo inteiro de filhos angustiados que me dizem: - "Obrigado por ter aberto um caminho. O meu pai vai morrer, mas eu não poderia ir ao enterro porque a mulher dele não aceitava".

É preciso viver sem mesquinhez, sem um sentido pequeno, lamacento, comum aos moralistas, aos caluniadores e aos paranóicos azedos que teimam em sujar tudo.
Espero que as pessoas sejam generosas e amplas para compreender e amar os seus parceiros nas suas dúvidas, fragilidades, divisões e pequenas paixões.
Isso é amar por inteiro e ter confiança em si mesmo" .

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